Fim do DPVAT, mais um passo para o desmonte das políticas sociais

O Presidente da República, que mais parece governar para si e para sua família, não aceita limites ou regras de convivência, especialmente no trânsito. Sobre os radares diz serem cerceadores do prazer da velocidade, afinal, as rodovias foram feitas para mover adrenalinas, não para o deslocamento seguro. Preocupou-se com a obrigatoriedade das cadeirinhas para crianças, pois, não é ocioso lembrar que a infância nos anos de 1980 foi bem mais emocionante, com meninos e meninas soltos nos “chiqueirinhos” dos fuscas.

Ampliando as velocidades podem acontecer mais acidentes, então, por que não desmontar a política de seguro social, fim ao Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT), afinal, a seguradora líder tem participação societária de um de seus desafetos políticos. Há problemas na gestão da política? Sim, mas dará muito trabalho reorganizá-la, melhor encerrá-la em nome da eficiência administrativa. Segundo os defensores da medida, o fim do seguro evitará fraudes. No entanto, há outras maneiras de evitar fraudes, fiscalizando o serviço e reorganizando o que não está bem.

Defenderam-se, dizendo que as pessoas que se envolverem em acidentes não estarão desguarnecidas, afinal têm-se Sistema Único de Saúde, SUS, Previdência, Benefício de Prestação Continuada (BPC). Sim, há tudo isso aí, no entanto, não é para todas as pessoas, por exemplo, o enorme contingente de desempregados, que poderão ficar parados em razão de acidentes, sem renda alguma, pois não acessam a previdência, muito menos BPC. Segundo a Organização Mundial de Saúde, as maiores vítimas do trânsito são jovens entre 15 e 29 anos. Pode-se inferir, então, que essas pessoas ainda não acessam a previdência, ou sequer tiveram o primeiro emprego.

Foi aprovada uma reforma da previdência que aprofunda desigualdades, com fortes argumentos de que o Estado está falindo e precisa de mais recursos. Aí, como parte do DPVAT vai para o SUS, acaba-se com ele, pois é pode-se tirar esse recurso de outro lugar. Como se vê, não é possível acompanhar os critérios de atual governo, se é que há critérios a não ser o desmonte de todas as políticas sociais.

Contudo, o presidente dá uma solução realista para os brasileiros, “nada que é obrigatório é bom, quem quiser pode fazer um seguro”. Sim, há condições para isso, especialmente para os pedestres que podem vir a ser vítimas de atropelamentos em meio ao trânsito cada vez mais violento das cidades brasileiras. Por que não fazer um seguro contra motoristas que circulam em alta velocidade, não respeitam sinalização das vias que não têm espaço de compartilhamento para quem caminha?

O Brasil é um dos lugares onde o trânsito mais mata. O jornal O Globo publicou matéria em que traz a informação do Conselho Federal de Medicina, que a cada 5 horas uma pessoa é morta em acidente de trânsito. E a cada hora 20 pessoas dão entrada na rede pública de saúde, vítimas de acidentes de transporte terrestre. Outra informação importante é que entre 2009 e 2018 os acidentes feriram 1,6 milhão de pessoas, deixando um custo alto para o sistema de saúde.

O DPVAT, além de arcar com os seguros individuais, repassa recurso para o SUS e para o Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN). Este último para realizar campanhas educativas para um trânsito mais seguro e humanizado. Com o seu fim, não se sabe se tais campanhas poderão ter seguimento, ou de onde sairão os recursos para compensar a perda de receita do SUS.

Além disso, o DPVAT é fonte de dados para levantamento de acidentes e número de pessoas afetadas com afastamentos temporários ou definitivos do trabalho, bem como, do número de mortes. O próprio Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, IPEA utilizou-se de dados do seguro para calcular o que se gasta com acidentes de trânsito, considerados externalidades negativas à política de mobilidade urbana que precisam ser acatadas no momento do planejamento de ações governamentais. Ou para analisar os graves problemas causados por uma extra valorização do transporte individual motorizado, sobre o transporte público.

O melhor caminho é sempre o aprimoramento das políticas em seu alcance e gestão, jamais o desmonte, principalmente em momentos de crise, com aumento significativo do desemprego e da precarização do trabalho. Além de ser o desmonte de uma política no escopo da mobilidade urbana, que precisa ser repensada em seu todo no Brasil, pois seu modelo já está saturado há tempos.

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